terça-feira, 19 de novembro de 2013

ENARTE - Teatro 2013 - Comunicação Marco Paiva

ENARTE - Teatro 2013 Comunicação Marco Paiva Crinabel Teatro 1986/2014 Bom dia a todos. Como ao longo destes quase 14 anos de trabalho com o projecto Crinabel Teatro, tenho vindo a acumular mais perguntas que respostas e como tenho sentido a necessidade de reavaliar e repensar o meu discurso sobre o teatro, a deficiência, a inclusão, a comunidade, as certezas absolutas e a falta delas, tenho optado por escrever o que agora e neste preciso momento considero ser uma suposta verdade e o mapa certo para o caminho do projeto que de seguida vos apresento. Com 27 anos de trabalho continuo, o projecto Crinabel-Teatro tem vindo ao longo do seu percurso a desenvolver um trabalho artístico com jovens portadores de deficiência mental, procurando potenciar as suas capacidades criativas, pessoais e sociais. Tem desenvolvido inúmeras parcerias europeias com Itália, Espanha, Inglaterra, Alemanha, Turquia, Lituânia, Grécia. Realizou espectáculos um pouco por todo o mundo, privilegiando sempre o trabalho em articulação com outras estruturas artísticas e de cariz social tanto no domínio da criação, como da formação de técnicos e jovens, procurando uma inclusão efectiva dos seus colaboradores directos e indirectos através da criação teatral como motor de excelência para o reconhecimento das capacidades da pessoa portadora de deficiência mental. Realizamos até á data 34 criações teatrais e 12 criações coreográficas. Criamos em 2011 o projecto "Laboratório Teatral" que consiste num trabalho directo com técnicos de ensino especial e utentes de instituições congéneres á CRINABEL, procurando provocar o encontro de diferentes realidades e modos de fazer, tentando criar a partir dai, novas parcerias e optimizações de recursos e metodologias de intervenção. Desde 2011 trabalhamos neste projecto com cerca de 30 instituições e mais de 100 técnicos e utentes. De uma maneira geral o nosso trabalho/metodologia (????) propõe a implicação dos participantes nos processos e etapas de criação de uma forma total. Tanto para nas criações teatrais como nas acções de formação é apresentada uma temática, uma ideia, um objecto, um texto ... Algo que servirá de ponto de partida para o trabalho. A partir dai, todo o processo é conduzido no sentido de explorar e identificar a posição de cada interprete ou participante perante o objecto proposto, procurando explorar as posições de aproximação e disseminação das varias ideias que surjam no colectivo de trabalho. Assim, o objecto final das criações e das formações é sempre edificado pelas opções criativas, dramatúrgicas e cénicas promovidas pelo colectivo. O projecto Crinabel Teatro, pretende propor um trabalho de criação artística alicerçado num esquema de pesquisa através de propostas de discussão, reflexão e improvisação das matérias abordadas, procurando desenvolver com interpretes portadores de deficiência mental uma consciência criativa, explorando o potencial da sua imaginação e ao mesmo tempo dotando-os de ferramentas e sistemas de implementação cénica dos materiais criados. Desta forma a proposta artística será a de explorar nesta população alvo a sua consciência criativa, implementando-a num conjunto de objectos finais que tentarão espelhar a urgência de discutir como, porquê e de que forma fazemos e estamos no teatro e na vida. Bom, até aqui li-vos a articulação de palavras que geralmente consta das justificações que temos que apresentar para pedir algum dinheiro para sair em digressão, fazer mais um espectáculo, pedir um acolhimento num auditório municipal, ou seja cumprir com uma certa formalidade que se se pede, quando nos movemos no politicamente correcto e desejável. Mas se me permitem gostaria de vos fazer chegar o nosso teatro, através daquilo que hoje nos agita, e se possível, de uma forma um pouco mais intima. Em 2014 o projecto Crinabel teatro completa 28 anos de trabalho ininterrupto. Eu completo 14 anos de colaboração, o João Leon, que foi o primeiro a chegar completa 51 de idade. O projecto tem neste momento 16 intérpretes, 3 técnicos a coordenar o projecto a tempo inteiro e a restante casa da Crinabel (infra-estruturas, direcção e equipe técnica) que nos acompanham e nos ajudam a suportar um conjunto de necessidades individuais e colectivas. E é dessas necessidades que eu vos gostava de falar. Com o passar do tempo, o exercício do teatro é vital mas não é o suficiente. Com o avançar da idade, tanto alguns dos membros deste projecto como as suas famílias, apresentam outras necessidades e questões, exigindo de nós uma atenção alargada, e uma capacidade de resposta que ultrapassa o discurso do Teatro e dos seus benefícios. O envelhecimento precoce, a possível perda de um suporte familiar, a necessidade de actividades complementares que mantenham as capacidades físicas e cognitivas, o cansaço, a dúvida sobre um futuro acompanhado e de bem estar quando o suporte da família não for mais possível, a garantia de um projecto de vida, são alguns dos temas que para além do Teatro, temos hoje e mais do que nunca, entre mãos. No universo destes 16 intérpretes, com idades compreendidas entre os 25 e os 51 anos, com expectativas já bem diferentes quanto ao projecto e ao próprio futuro, com experiências diferentes, onde podemos situar o nosso compromisso? Sabendo nós que estamos a passar pela vida juntos, e encontrando-nos na próprio vida, em prioridades e períodos diferentes, como seguimos em frente sem deixar ninguém para trás? Tudo isto não está assim tão longe do nosso Teatro, como se pode supor. Na verdade, são nestas questões que reside o nosso teatro. Se quiserem, são nestas questões que reside a nossa metodologia (?????): num constante exercício de escuta entre o passado e o futuro, entre a necessidade individual e a colectiva, entre aquilo que eu quero discutir, que me preocupa, e aquilo que posso beber das dúvidas dos outros. O nosso Teatro, a nossa metodologia, reside no compromisso com a diferença. Não reside nos autores, nas estéticas, nas mecânicas ou nas técnicas, estas são complementos do essencial. E o essencial somos nós, as nossas dúvidas, as nossas necessidades e expectativas, a forma como vemos e estamos no mundo e acima de tudo a consciência que queremos ter dele. Neste nosso universo tão plural, costumamos dizer que queremos continuar a pensar juntos e não a decorar juntos. Que queremos entender as nossas dificuldades e destrezas individuais e amplia-las voltando a elas, à luz do que são na verdade, as dificuldades, destrezas, tragédias e virtudes do resto do mundo. E o teatro é essa máquina que se alimenta do Mundo, que o deglute e que o transforma. Os dilemas do fim que lemos em Beckett ou nos textos anarcas do Gregory Motton, a relação com o poder que encontramos em Brecht, a falência humana de Franz Kafka ou as sociedades modernas de Koltes, habitam também nas nossas conversas, nas palavras que são nossas. Á nossa medida e à nossa escala, estamos a falar do mesmo. Por isso, em primeiro lugar, antes de decorarmos os grandes autores, vamos encontrarmo-nos neles, entendermos-nos neles, guardar nas gavetas da memória aquilo que nos oferecem para ir recuperar mais tarde, e tratar de criar o nosso discurso, a nossa posição, a nossa verdade e consciência sobre o que de facto nos identifica. O nosso teatro, os nossos espectáculos, os nossos encontros, são hoje a forma que temos de materializar o nosso interior, de o partilhar com quem se quiser sentar á nossa mesa que está para além da nossa porta sempre aberta, para que depois, alguém nos venha tirar uma fotografia e aclame a inclusão, o Teatro Comunitario, o que quiserem, desde que venham com a mesma urgência e necessidade que temos em estar em constante diálogo com os outros. Lisboa, 14 de Novembro de 2013

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